Wednesday, February 14, 2007

Kibe Loco: uma nova linguagem jornalística



Por Alan Araguaia,
Fabíola Corrêa e
Nerusa Palheta


A blogosfera: outras narrativas sobre a realidade

O tamanho da blogosfera é impressionante. O número de blogs em todos os idiomas é hoje 60 vezes maior do que era há três anos e já ultrapassou a marca de 40 milhões de páginas. De acordo com o site Technorati, que cataloga e faz buscas em blogs no mundo inteiro, são criados 75 mil blogs por dia, o que dá uma média de um novo blog por segundo. Há um blog para cada 25 pessoas on-line.

No Brasil, dos quase 20 milhões de assinantes da Internet, estima-se que algo como 25% vasculhem blogs todo dia em busca de informação, entretenimento, ou, o que é a tendência mais forte, a informação com entretenimento. O público do século XXI, que já não está mais envolvido em uma grande narrativa sobre a realidade, mas disputa e é disputado no espaço ideológico, está cada vez mais cético, irônico e atento às informações, que chegam em profusão. A saída é não levar a sociedade muito a sério.

Abordaremos nesse trabalho a trajetória do blog Kibe Loco, líder de audiência no Brasil, que repercute os principais temas da política e da mídia nacional, sem pretensões de “fidelidade aos fatos”, ou isenção jornalística.


Kibe Loco: jornalismo não-ortodoxo

O Kibe Loco é um blog jornalístico-humorístico que está no ar desde 2002. É uma criação do publicitário Antônio Pedro Tabet. Com uma fórmula que combina humor e jornalismo, se tornou o blog mais popular do Brasil, com cem mil visitações por dia.

Os principais temas abordados são política, televisão, atualidades e celebridades, principalmente as gafes cometidas pelos famosos. As polêmicas são inevitáveis, e pode-se mesmo dizer que constituem o principal motivo para o sucesso do blog.

Sucesso tanto de público quanto de crítica: a página de Tabet foi eleita pela Deustche Welle International como o “Melhor blog do Brasil”, assim como pelo júri popular no prêmio iBest em 2005. Atenta à explosão da blogosfera, a Rede Globo convidou Tabet para fazer um quadro no programa “Caldeirão do Huck”, voltado para o público jovem.

A maioria das postagens são fotomontagens originais sobre imagens de todos os tipos. Algumas de domínio público e outras não-livres ou protegidas por direitos autorais encontradas na internet e que, depois de editadas, alteradas ou reescritas, passam a contar com a marca Kibe Loco para identificar a origem das mesmas. Os colaboradores do Kibe Loco são o seu próprio público, que alimentam o site com algumas “pérolas”, que sem o ciberespaço ficariam restritas a uma região ou grupo de amigos.

A linguagem irônica e bem-humorada dá ao que é veiculado pela mídia tradicional conotações outras, que atraem a nova geração de consumidores de informação. Os “personagens midiáticos”, quer jornalistas, artistas ou apresentadores deixam de ser criaturas mitificadas, tidas como perfeitas. A vida dos famosos é em geral extravagante e surreal, mas o pacto midiático se encarrega de manter a aparência de mundo idealizado.

A superexposição da sociedade atual contribuiu bastante para desconstruir esse mundo. Os dispositivos informacionais estão em todos os lugares, e qualquer pessoa é um informante em potencial, com sua câmera digital, seu celular, ou seu computador pessoal. A profissão de jornalista precisa ser seriamente analisada no atual contexto, mas isso é tema para um outro trabalho.

Podemos classificar o Kibe Loco como um blog jornalístico, pois é uma narrativa dos fatos cotidianos. Essa narrativa é carregada de pessoalidade, mas a impessoalidade não tem lugar no mundo dos blogs. Até porque a proximidade do leitor com o blogueiro é alta, forçando o primeiro a nem subir no pedestal do “formador de opinião”. Não importa quanta audiência um único blogueiro tenha, a comunidade sempre é mais forte no mundo virtual.

Mais do que jornalismo, arriscamos dizer que o Kibe Loco, bem como toda a blogosfera, estão na vanguarda do webjornalismo. Textos curtos, muitos hiperlinks que levam a informações visuais, sonoras ou novas informações textuais são características essenciais dessa tendência.

É o que alguns autores chamam de terceira fase do webjornalismo, que se caracteriza pela realização de projetos editoriais específicos para a Internet (o Kibe Loco não tem precedente em outras mídias). A possibilidade de retorno imediato da audiência, com fóruns de discussões, o que soma no caldo de sentidos produzidos.




Milhões de vozes

É necessário perceber que o advento dos blogs nasce como mais uma ferramenta da cibercultura, movimento que vem subvertendo a ordem das sociabilidades, ao tornar o virtual cada vez mais atual e rápido. As mídias tradicionais não deixarão de existir, mas terão que dividir a especialidade de produção de informação com um número ilimitado de pessoas: qualquer indivíduo conectado à rede mundial de computadores.

A exclusão digital é um grave problema, mas isso não pode ser tomado como um sério argumento contra a cibercultura, pelo contrário, só demonstra como ela se impõe como necessidade para um número cada vez maior de pessoas.

A ferramenta do blog dá voz a milhões, que falam ao mesmo tempo. Para ser ouvido, o blogueiro deve se diferenciar da massa de comunicadores. Tal situação exige que o jornalista saia do comodismo de enunciar o óbvio do cotidiano e exponha a sua personalidade, as suas referências culturais. Caso estas sejam insuficientes para chamar a atenção da sociedade, a culpa não é do ciberespaço.